Lições ao me tornar líder de um time de design
Como transformar um time de design frágil em uma equipe estratégica através de uma liderança ativa?
A empresa passava por uma rotatividade enorme de profissionais com perfil de Designer. A empresa estava num momento delicado, a saída de um membro do time fazia o produto ter um atraso nas entregas incalculável, alguma precisava ser feita!
A liderança não chegou em mim por acaso, o convite veio com um desafio gigantesco, fazer com que uma empresa de meio século mudasse a mentalidade — ou mindset como dizem por aí — e passassem a utilizar designers e o design de maneira estratégica.
Por isso, resolvi reunir tudo que estudei e aprendi.
Bom líder ou bom chefe?
Não sei se você já sabe a diferença, mas é importante pontuar.
Já tive relacionamento com superiores dos dois tipos, porém a experiência com meus chefes sempre foram difíceis e sempre me despertaram bastante frustração.
Algumas diferenças para você entender o espírito envolvendo cada perfil:
- Chefe: desmoraliza, procura culpados, manda, fiscaliza, diz: eu, diz: vá!
- Líder: assume responsabilidades, acompanha, orienta, confia, diz: nós, diz: vamos
Sou uma pessoa muito direta, sempre precisei medir as palavras e agora para que não houvesse uma interpretação errada na comunicação, pensar como a pessoa que vai receber e entender a mensagem é muito importante, então a vigilância é constante.
A Ana Cantarelli e seu Programa de Desenvolvimento de Líderes teve um papel muito importante nesse meu momento e na construção do que sou hoje como profissional e com ela veio o livro do Zanini (Liderança em Design) que trouxe aplicações práticas do que fazer no dia a dia.
Outro ponto importante após o convite da empresa para atuar como líder, analisei os exemplos de comportamentos dos líderes que tive, aplicar bons exemplos, não repetir os maus e fazer com que liderados nunca precisassem experimentar as situações traumatizantes que passei. Ser o líder que gostaria de ter, além de fazer o PDL e analisar minhas experiências passadas com uma nova perspectiva.
Procurar literatura sobre o assunto trouxe bastante lucidez.
“O superior imediato é a figura chave no processo de retenção e engajamento de profissionais. Entre os que querem permanecer nas empresas, 60% acreditam que o superior imediato auxilia o seu desempenho e 73% o enxergam como um incentivador na busca por desafios.”
O que importa?
Autoconhecimento
A primeira e acho que a mais importante das lições que aprendi para me desenvolver é me conhecer profundamente. Valorizar os meus pontos fortes e que o já funcionam bem, desenvolver e corrigir características e comportamentos prejudiciais ou nocivos, obtendo entendimento do que realmente sou e qual o meu papel na organização.
Fiz dois testes comportamentais, o primeiro deles foi DISC, o segundo foi do site 16 personalidades (não é teste da Capricho 😉).
No primeiro, o DISC, mapeou que sou uma pessoa com características predominantes de Comunicador, Executor e as outras duas em menor destaque são Analista e Planejador (essa ordem é importante).
Já no segundo apresentei a personalidade Cônsul ESFJ-A, em ambos os testes, liderança estava sendo favorecidas pela minha natureza.
Papéis e Responsabilidade do Líder
Aqui, começou a minha carga de estresse diária até me acostumar que o papel do líder é construído ao longo do tempo e a liderança é um processo e não é uma chave que pode ser simplesmente ligada.
Como líder, meu papel é desenvolver cada uma das pessoas de forma única e individual, conhecer suas motivações, reconhecer seus talentos, indicar e apoiar sobre suas dificuldades, porém esse trabalho tem que ser em conjunto.
Entendo que o único protagonista da carreira do liderado é ele mesmo, mas é importante como líder despertar também isso no liderado. Esse desenvolvimento só funciona quando cada pessoa também assume uma atitude ativa, buscando o autoconhecimento, traçando seus objetivos como profissional acima de colaborador, identificando sua automotivação e assim desenvolvendo novas habilidades, atitudes e competências.
Então, um líder ele tem que:
- Ser um exemplo para o time, transmitindo confiança, ser coerente com o que fala e faz e principalmente inspirar as pessoas, e
- Garantir resultados, orientando o time, provendo condições e monitorando tarefas e processos
Liderança Situacional
O nome certo para a liderança situacional é o jogo de cintura, não existe um roteiro, temos que ser líderes para cada liderado e para cada situação, agindo de acordo com o ambiente. O DISC é uma ferramenta importante, porque através dele se sabe a personalidade de cada liderado, sabendo agir com cada pessoa.
Esse jogo de cintura tem que considerar a maturidade profissional e emocional de cada integrante do time. O processo é de mobilizar e engajar pessoas em uma determinada direção para atingir um resultado esperado. Essa frase é a grande jornada do líder, mas não é uma coisa fácil de se fazer.
Comunicação eficiente
O time tem que se falar, falar sobre TUDO, com transparência e sinceridade. A chave para isso é a confiança e não é muito fácil de ser conquistado, já que as pessoas naturalmente no trabalho não dão brechas para falar sobre suas incertezas e fraquezas.
Falar sobre música, sobre filmes, o que fez no final de semana, torna a relação mais “humana” mesmo estando em home office e com quilômetros de distância, ajuda!
As pessoas são muito mais do que os resultados que elas apresentam nas entregas do dia a dia no trabalho, com isso, elas irão ter coragem de pedir ajuda, trocar experiências, compartilhar sucessos e fracassos e aprender com eles.
Celebre as conquistas
Celebrar verdadeiramente pequenas conquistas é muito importante, faz com que o time entenda o quanto agregou valor uma entrega ou uma vitória fora o âmbito profissional, um certificado, uma habilidade adquirida, um medo vencido!
Delegue e distribua desafios
Confiar no time e compartilhar desafios ou mesmo definir em conjunto as atividades, é muito importante e faz com que o sentimento de posse do time cresça, dando voz a todos de maneira ativa.
Talvez o liderado não tenha habilidade e conhecimento para desenvolver uma determinada atividade, mas por que não encorajar a pesquisa e o compartilhamento do conhecimento para atingir esse objetivo ainda “obscuro”? Por que não fazer com que esse conhecimento mesmo novo seja aplicado em projetos reais?
Tive que entender que dar um desafio maior do que o seu liderado consegue fazer e pode causar frustração por causa do sentimento de insucesso próximo. Porém uma boa comunicação irá fazer com que chegue até você pedindo ajuda. É o momento de rever, orientar e trabalhar junto para realizar e finalizar a atividade.
Feedback
Esse termo deveria ser trocado para Conversa sobre Desenvolvimento, porque feedback é nada mais do que uma troca de impressões e desejos para o desenvolvimento do liderado, melhorando dia a dia. Isso tem que ter uma data fixa ou não, mas ser constante e sempre tem um plano de ação para se criar condições para esse desenvolvimento.
Neste momento “delicado” — já que o feedback carrega a ideia de algo negativo, de ser uma prestação de conta — mas é completamente o oposto, é para aprender com erros e evitá-los futuramente, momento de dar reconhecimento pelas boas ações e atitudes.
O feedback é composto por 3 etapas:
- Introdução: “momento de acolhimento”
- Desenvolvimento: conversar sobre pontos fortes e sobre pontos a desenvolver; incentivar a assumir o protagonismo; ajudar a ver alternativas de ação
- Fechamento: buscar o entendimento e compromisso da pessoa; mostrar ganhos e como os resultados podem ser ainda melhores
Lembre-se que nós não somos vazios, nossas histórias são o que fazer de nós únicos, cada um tem seus furos, esses furos devem ser constantemente revistos, para isso, nós temos que:
- Dar feedback de qualidade ↔
- Elogiar e reconhecer 🤲
- Comemorar as realizações 🥳
- Delegar tomadas de decisões 🤝
- Desenvolver maturidade emocional ⭐
Último e não menos importante. O feedback tem que ser dado com base em informações, fatos e dados claros e objetivos e não deve ser feito por julgamentos e emoções.
Plano de desenvolvimento individual
O grande calo das organizações, pelo menos as que passei. Esse plano tem que ser realizado durante um determinado tempo e ser constante. Ele tem que refletir as necessidades de desenvolvimento individual e tem como consequência a competitividade da empresa no mercado, já que seus colaboradores estão em constante desenvolvimento e entregando melhores resultados.
Habilidade técnica
Me tornei líder pelo destaque técnico.
O líder tem que entender profundamente dos entregáveis da equipe, porém é a hora de fazer com que os liderados se destacarem neste ponto e até consigam ter mais habilidades técnicas, já que a preocupação do líder é outro neste momento, é a de guiar e fazer com que as pessoas da equipe cresçam juntas.
As regras do jogo
Para que o time fique ciente dos seus poderes e suas responsabilidades, escrevi um manual, que contempla os seguintes pontos:
- Missão da equipe na organização
- Princípios e valores do time
- Regras de convivência para que os integrantes do time tenham mais harmonia
- Atuação do designer
- A jornada para o desenvolvimento e evolução profissional
- Atribuições da liderança
- Perfil do profissional da equipe, quais as competências básicas, quais as soft skills e quais as hard skills
- Rituais do time
Rituais do Time
Esses encontros fixos são essenciais para alinhar necessidades, dores e principalmente entender a evolução do time. Foi mapeado os seguintes encontros:
- Reuniões associadas ao scrum: diárias, revisão e retrospectivas
- Design Talk: encontro dos designers para os colaboradores dos outros times, mas com assuntos sempre do mundo do Design e é facilitado pela equipe
- Design Expo: encontro para que seja tratado a parte técnica entre designers e desenvolvedores ou qualquer outro envolvido sobre o assunto
- Design Critiqué: encontro para debater e criticar entregáveis da equipe, coletar novas perspectivas, buscando desenvolver mais a cultura da inovação
- Feedback Design: “feedback 360” de todo o time — a participação aqui é voluntária
- Produto e Design e Feedback Time: encontro entre o líder do time e o gestor, para que seja coletado dois aspectos do time: o primeiro sobre suas escolhas, entregáveis e o segundo é para falar sobre os profissionais do time
O manual foi feito primordialmente por mim, mas a evolução contínua com a ajuda dos integrantes do time é essencial para o amadurecimento deste documento, que é vivo!
Um dos meus papéis do Líder do Time de Design é fazer com que a organização veja o Design estrategicamente. Abaixo uma lista dos desafios da Equipe:
Atividade do Designer
Designers estavam presentes no ecossistema da empresa só a 3 anos. A rotatividade era enorme e fazia com que nosso papel se resumisse em apenas converter um software desktop para uma versão web, ou seja, tela tela tela.
Precisava ser feito mais, ter mais foco para que os talentos na equipe não se resumissem em telas, então adicionar outras atividades! Focar em pesquisa, em experimentações e principalmente em contato com o usuário seria uma forma de fazer com que o talento da equipe não se resumisse apenas a uma atividade.
Comunicação entre Designers e os demais envolvidos
Precisávamos criar um fluxo de comunicação eficaz e amarrar todos os nós desatados. Fazer com que nossos entregáveis fossem além de um link no Adobe XD. Utilizei o Book Stack para escrever e explicar interfaces, funcionalidade, componentes, além de documentar informações sobre a equipe, seus rituais e práticas.
Design estratégico
Os Designers precisam ter suas habilidades vistas, já que ninguém sabia verdadeiramente o que a gente podia entregar.
Quando me deram o “poder”, me meti em tudo para mostrar a potência do Design na resolução de problemas complexos. Participei de facilitações de diversos setores, com aplicações de técnicas de Lean Inception, Design Sprint, elaboração de tom de voz da empresa, entrevista com diversos colaboradores e construção de pesquisas e análises dos resultados. Ah, também existiu contato com fornecedores para conversas com a aderência dos serviços com o design do produto/empresa.
Equipe integrada
Precisava que a equipe fosse desenvolvida de maneira a gerar confiança, os integrantes passavam o dia conversando sobre diversos assuntos, desde qual será a trilha sonora do dia, final de semana até suas fraquezas, qualidades e principalmente incertezas das decisões do dia a dia para que todo mundo pudesse ajudar e aprender juntos.
Confiar no time e manter a comunicação constante e livre de ruídos!
Próximos passos
A frase “a voz do povo é a voz de deus” é muito propício para este momento, a voz do povo são os feedbacks do time, porém é importante entender o entorno e coletar as impressões de outras pessoas que trabalham junto com o time, a gestão direta, outros times de desenvolvimento, teste, agilidade e profissionais de RH são muito importantes.
Estudar, trocar feedbacks e desenvolver o espírito de liderança nos liderados é o meu próximo foco.
Referências
- Preciso saber se estou indo bem! do Richard L Williams (Editora Sextante)
- Liderança em Design do Victor Zanini (Casa do Código)
- PDL da Ana Cantarelli
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